A análise de Karl Marx sobre o capitalismo parte de uma questão simples e revolucionária: de onde vem o lucro, se as mercadorias são trocadas por equivalentes?
Como observa David Harvey, essa é “a grande virada teórica de O Capital”: “Marx mostra que a força de trabalho é uma mercadoria peculiar. O uso dessa mercadoria cria mais valor do que o necessário para reproduzi-la. É aqui que nasce o mais-valor e, portanto, o capital.” (Para Entender O Capital, p. 79)
A lei do valor e o trabalho humano abstrato
“O valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário à sua produção.” (O Capital, Livro I, cap. 1)
As mercadorias comuns: portadoras de valor, não criadoras de valor
Por exemplo:
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O tear transfere ao tecido parte do seu próprio valor (à medida que se desgasta).
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O algodão transfere ao tecido o valor do trabalho contido nele.
“O trabalho passado, incorporado nos meios de produção, só reaparece no produto. Ele não cria valor novo.” (O Capital, Livro I, cap. 5)
A força de trabalho: uma mercadoria especial
Mas — e aqui está o ponto decisivo — o valor de uso dessa mercadoria é o trabalho vivo, e o seu uso cria valor novo.
“O valor de uso da força de trabalho consiste em produzir valor, e até mais valor do que ela mesma possui. Este é o segredo da produção capitalista de mais-valor.” (O Capital, Livro I, cap. 6)
O uso da força de trabalho e a criação do mais-valor
Durante o processo de produção, o trabalhador:
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Reproduz o valor de sua força de trabalho (trabalho necessário).
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Cria valor excedente (trabalho excedente ou sobretrabalho).
Por exemplo:
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Em 4 horas, o trabalhador cria valor equivalente ao seu salário diário.
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Nas 4 horas seguintes, continua produzindo, mas sem receber por isso.
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O valor criado nesse período excedente é o mais-valor, apropriado pelo capitalista como lucro.
“O valor da força de trabalho é pago, mas o seu valor de uso consiste precisamente em criar valor maior do que o seu próprio valor.” (O Capital, Livro I, cap. 6)
Harvey destaca que essa é uma relação social, não um roubo visível:
“O capitalista paga um preço justo pela força de trabalho. A exploração ocorre não na troca, mas no uso dessa mercadoria.” (Para Entender O Capital, p. 80)
O trabalho como fonte exclusiva de valor
A distinção entre trabalho vivo e trabalho morto (incorporado nas mercadorias) é central:
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O trabalho morto (máquinas, matérias-primas) apenas transfere valor.
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O trabalho vivo cria valor novo — e, portanto, é a única mercadoria que aumenta o valor total da sociedade.
“O trabalho é a substância e a medida imanente do valor. Nenhuma máquina, por perfeita que seja, cria valor; apenas o transfere.” (O Capital, Livro I, cap. 7)
David Harvey resume:
“O capital pode comprar qualquer mercadoria, mas só a força de trabalho o valoriza. O dinheiro se transforma em capital apenas porque compra a capacidade humana de criar valor.” (Para Entender O Capital, p. 82)
Implicações sociais e políticas
A descoberta de Marx tem consequências profundas:
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O lucro capitalista não provém de “vender mais caro”, mas da apropriação sistemática de trabalho não pago.
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O trabalho assalariado é, portanto, uma forma de exploração disfarçada por relações contratuais “livres”.
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O capital depende estruturalmente da força de trabalho — ela é a fonte da valorização.
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Toda inovação tecnológica que reduz o trabalho vivo minando a base da valorização tende a provocar crises (como Marx antecipa nos Grundrisse).
Marx descobre, assim, o “segredo da produção capitalista”:
“O capitalista compra força de trabalho para consumir seu valor de uso: o trabalho. E, consumindo-a, cria mais-valor, valor que não lhe custa nada.” (O Capital, Livro I, cap. 6)
Harvey conclui:
“O capital é uma relação social fundada na mercantilização da força de trabalho. É porque o trabalho, e apenas ele, cria valor, que o capital busca incessantemente explorá-lo, estendendo a jornada, intensificando o ritmo, ou barateando sua reprodução.” (Para Entender O Capital, p. 83)
O trabalho, portanto, não é apenas uma mercadoria entre outras: é a mercadoria fundante, sem a qual o capitalismo não pode existir — o coração vivo do valor.
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