terça-feira, outubro 28, 2025

O Dinheiro e a Dialética do Trabalho em Marx: Relações entre Trabalho Vivo, Trabalho Morto, Valor e Mais-Valor

 


A crítica de Karl Marx à economia política atinge seu núcleo conceitual quando ele revela que o capitalismo é, essencialmente, um sistema de valorização do valor.
Nele, o dinheiro não é apenas um meio de troca, mas o ponto de partida e de chegada de um processo social no qual o trabalho humano — vivo — é consumido para gerar mais-valor e manter o movimento incessante de acumulação.

Como sintetiza David Harvey:

“O capital é um processo que começa com dinheiro, se materializa no trabalho e termina com mais dinheiro. É a metamorfose do trabalho humano em valor.” (Para Entender O Capital, p. 85)

Este artigo analisa como os conceitos de trabalho vivo, trabalho morto, valor, mais-valor e dinheiro se articulam no pensamento de Marx, evidenciando a lógica interna do capital e o papel do trabalho como fundamento de toda a valorização.

Trabalho vivo e trabalho morto: a dialética da produção

No processo produtivo, Marx distingue dois tipos de trabalho:

  • Trabalho vivo: a atividade presente do trabalhador, criadora de valor novo.

  • Trabalho morto: o trabalho passado, incorporado em meios de produção (máquinas, matérias-primas, edifícios, etc.).

O trabalho vivo põe em movimento o trabalho morto e lhe dá nova vida, ao mesmo tempo que é por ele controlado e limitado.
Essa relação expressa uma contradição central do capitalismo: o capital depende do trabalho vivo para se valorizar, mas busca constantemente reduzi-lo e substituí-lo por máquinas.

“O trabalho passado, incorporado nos meios de produção, só reaparece no produto. O trabalho vivo, ao contrário, cria valor novo e reanima o trabalho morto.” (O Capital, Livro I, cap. 7)

Harvey observa que, para Marx, essa relação não é apenas técnica, mas social:

“O trabalho morto domina o trabalho vivo porque o capital, como valor acumulado, comanda o processo produtivo. O trabalhador se torna apêndice da máquina que ele mesmo criou.” (Para Entender O Capital, p. 90)

O valor e a substância do trabalho

O valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção.
Esse trabalho é abstrato — isto é, não importa o tipo concreto de atividade, mas a quantidade média de esforço humano socialmente reconhecida.
Assim, o valor não é uma qualidade material, mas uma relação social mediada por coisas.

“A substância do valor é o trabalho humano abstrato, e sua medida é o tempo de trabalho socialmente necessário.” (O Capital, Livro I, cap. 1)

O trabalho morto transfere ao produto o valor que já contém; o trabalho vivo, por sua vez, acrescenta valor novo.
A combinação de ambos — a unidade contraditória entre o passado e o presente — constitui o processo de valorização.

 O mais-valor: o trabalho vivo como fonte da valorização

A peculiaridade do capitalismo está em que o capitalista compra, no mercado, uma mercadoria especial: a força de trabalho.
Seu valor é determinado pelo custo de sua reprodução (o salário), mas o uso dessa mercadoria cria valor superior ao que ela custa.

Durante a jornada de trabalho:

  • Uma parte do tempo o trabalhador reproduz o valor do salário (trabalho necessário).

  • Na outra parte, continua produzindo sem remuneração (sobretrabalho).

Esse excedente é o mais-valor, base do lucro capitalista.

“O valor de uso da força de trabalho consiste em criar valor, e até mais valor do que ela mesma possui.” (O Capital, Livro I, cap. 6)

David Harvey resume:

“O capital compra o direito de consumir o trabalho vivo e, nesse consumo, extrai o mais-valor. É o uso da força de trabalho que valoriza o capital.” (Para Entender O Capital, p. 81)

O dinheiro como forma social do valor

O dinheiro é a forma fenomênica do valor — sua expressão universal.
Ele surge como equivalente geral das mercadorias e, no capitalismo, converte-se em capital quando entra no ciclo D–M–D′ (dinheiro–mercadoria–mais dinheiro).

Esse movimento expressa a metamorfose do trabalho:

  1. D — o dinheiro é valor potencial, acumulado.

  2. M — ele compra força de trabalho e meios de produção.

  3. P (produção) — o trabalho vivo consome o trabalho morto e cria mais-valor.

  4. M′–D′ — a mercadoria é vendida e o valor se realiza novamente como dinheiro, agora ampliado.

“O capital é valor que se valoriza. O dinheiro, ao se transformar em capital, torna-se sujeito de um processo cujo fim é seu próprio aumento.” (O Capital, Livro I, cap. 4)

O dinheiro é, portanto, a forma final do trabalho humano socialmente validado.
Ele representa o resultado do processo de exploração, convertendo o esforço humano em abstração monetária.

Harvey explica:

“O dinheiro parece gerar mais dinheiro, mas na verdade apenas reflete o processo social de extração de mais-valor do trabalho vivo. O dinheiro é o fetiche supremo do capital.” (Para Entender O Capital, p. 87)


A inversão fetichista: o domínio do trabalho morto sobre o vivo

O movimento do capital faz com que o trabalho morto (valor acumulado) apareça como a verdadeira fonte de riqueza, enquanto o trabalho vivo é reduzido a mero instrumento.
Essa inversão é o que Marx denomina fetichismo da produção capitalista: as coisas (máquinas, dinheiro, capital) parecem possuir poder próprio, enquanto o sujeito humano é objetificado.

“O capital é trabalho morto que, como um vampiro, vive apenas sugando o trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho suga.” (O Capital, Livro I, cap. 10)

Harvey reforça a atualidade dessa metáfora:

“O capital é o trabalho morto que domina o vivo. As máquinas, os algoritmos e o dinheiro funcionam como formas sociais que mascaram as relações humanas de exploração.” (Para Entender O Capital, p. 94)

A conexão entre trabalho vivo, trabalho morto, valor, mais-valor e dinheiro revela a essência dinâmica e contraditória do capitalismo.
O trabalho vivo é a única fonte criadora de valor, mas sua própria produtividade tende a reduzir sua participação direta na produção, substituindo-o por máquinas — trabalho morto.
Assim, quanto mais o capital busca se libertar do trabalho vivo, mais destrói a base de sua própria valorização.

O dinheiro, ao fim, é apenas a expressão abstrata desse processo: a forma em que o trabalho humano aparece como coisa, como poder autônomo.
A crítica de Marx, portanto, mostra que o capital não é um objeto nem uma soma de dinheiro, mas uma relação social mediada pelo dinheiro, sustentada pela exploração do trabalho vivo.

“O capital é valor em processo, valor que se valoriza, mas cuja vida depende do sangue do trabalho humano.” (O Capital, Livro I, cap. 4)

“O dinheiro é a aparência final do trabalho explorado — o espelho no qual o trabalho vivo não se reconhece.” (Harvey, Para Entender O Capital, p. 95)


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