segunda-feira, outubro 20, 2025

Dica de Curso: Lendo O Capital na quarentena e O Método em Marx

Lendo O Capital na quarentena  https://www.youtube.com/channel/UC-OEvXAYI0EcIWc-ngmQz3A

O Método em Marx https://www.youtube.com/watch?v=dx09LAkIM38&list=PL6acuzpdKbjfNU9WZtP4d6Ui2ik4POyEI

As Determinações Internas do Capital e a Crítica à Economia Política Clássica


Por trás dos preços, salários, mercadorias e contratos que vemos diariamente — aquilo que chamamos de “vida econômica” — existe uma engrenagem invisível, que comanda, distorce e explora: são as determinações internas do capital. Elas não aparecem diretamente na superfície das relações sociais, mas organizam toda a lógica do capitalismo enquanto sistema de dominação e acumulação. Desvendar esses mecanismos é tarefa urgente para quem busca superar a barbárie do capital.

Inspirando-se em Karl Marx, o geógrafo e intelectual marxista David Harvey nos lembra que o capitalismo não pode ser compreendido por suas aparências imediatas — pelo contrário, é preciso penetrar em suas estruturas ocultas, nas contradições que o movem e o corroem. Marx, em O Capital, desenvolveu uma crítica radical da economia, rompendo com o método linear e descritivo da economia política clássica (como a de Adam Smith ou David Ricardo), que via o mercado como harmonia natural entre indivíduos racionais. Essa ilusão é perigosa, pois oculta as relações de dominação, exploração e conflito estrutural que sustentam a sociedade burguesa.

O Capital como Relação Social Contraditória

Marx mostra que o capital não é uma "coisa", mas uma relação social de exploração entre capitalistas e trabalhadores. E é essa relação, historicamente determinada, que contém leis internas de movimento, ou seja, suas próprias determinações internas:

1. Valor e Mais-valia

O capital só cresce explorando trabalho humano. A diferença entre o valor que o trabalhador produz e o que recebe como salário — a mais-valia — é a fonte de lucro e o motor da acumulação capitalista. O capital não existe para satisfazer necessidades humanas, mas para se valorizar indefinidamente, produzindo mercadorias apenas quando há lucro.

2. Contradição entre Capital e Trabalho

O capital depende do trabalho, mas também o precariza. Submete o trabalhador à lógica da produtividade, substitui pessoas por máquinas, desemprega e rebaixa salários. Sem trabalho, não há capital — mas o capital destrói sua própria base viva.

3. Composição Orgânica do Capital e Crises

À medida que os capitalistas investem mais em tecnologia (capital constante) e menos em força de trabalho (capital variável), a taxa de lucro tende a cair — uma contradição explosiva que leva o sistema a ciclos de crise.

4. Reprodução Ampliada

O capital não pode parar. O ciclo Dinheiro – Mercadoria – Produção – Mais-valia – Dinheiro ampliado (D – M – D′) deve se repetir incessantemente. Estagnação é ruína. Crescimento contínuo é imperativo. Isso gera superprodução, destruição ambiental e colapso social.

5. Fetichismo e Inversão Social

O capitalismo transforma relações entre pessoas em relações entre coisas. No lugar da cooperação e solidariedade, vemos contratos, preços e mercadorias — como se os objetos tivessem vida própria e as pessoas fossem meros apêndices das coisas. Isso é o fetichismo da mercadoria, que naturaliza a exploração e esconde a dominação.

Por que isso importa para a esquerda?

Compreender as determinações internas do capital é romper com a aparência de normalidade da sociedade capitalista. Não se trata de reformar o mercado ou “corrigir” a desigualdade com políticas pontuais. Trata-se de atacar as raízes do sistema, que está fundado sobre a exploração do trabalho e o apagamento das relações sociais.

A análise de Harvey e de Marx nos equipa com ferramentas teóricas para compreender e combater o capital. Sem isso, corremos o risco de lutar contra os sintomas e não contra a doença.

O inimigo não é o “mau empresário” ou a “corrupção estatal”. O inimigo é o próprio capital, em sua forma impessoal, sistêmica e contraditória. E contra ele, só uma crítica radical — e uma ação revolucionária — podem nos libertar.



 

O Que é a Dialética Marxista? Uma Explicação Acessível a Partir de David Harvey

 


A leitura de O Capital, de Karl Marx, pode parecer um desafio à primeira vista. Mas com a ajuda de autores como David Harvey — um dos mais respeitados intérpretes contemporâneos da obra marxiana — esse caminho se torna mais claro. Em seu livro Para Entender O Capital, Harvey dedica os primeiros capítulos a explicar algo essencial para compreender Marx: o método dialético.

Mas afinal, o que é a dialética marxista?

Ao contrário da lógica linear que estamos acostumados a ver nos livros de economia, Marx trabalha com a ideia de que a realidade social é complexa, contraditória e em constante transformação. Por isso, seu método exige muito mais do que descrever “o que se vê na superfície”. A dialética marxista busca entender o que está por trás das aparências.

Do concreto ao abstrato – e de volta ao concreto

David Harvey explica que Marx começa analisando algo aparentemente simples: a mercadoria. A partir dela, ele vai desdobrando conceitos cada vez mais abstratos — como valor, trabalho, dinheiro, capital — até reconstruir o sistema capitalista como um todo. Esse movimento é dialético porque parte do concreto vivido, passa pelo abstrato teórico, e retorna ao concreto compreendido de forma mais profunda.

Marx começa sua análise com algo aparentemente simples e concreto: a mercadoria. No mundo real, vemos mercadorias sendo trocadas nos mercados todos os dias — algo que parece natural. Mas Marx faz a pergunta crítica: o que é, de fato, uma mercadoria?

A resposta nos leva por uma série de conceitos abstratos:

  • Valor de uso: a utilidade prática da coisa.

  • Valor de troca: o quanto ela pode ser trocada por outras coisas.

  • Valor: o tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la.

  • Trabalho abstrato: uma medida comum que iguala diferentes tipos de trabalho.

Essas categorias são abstrações teóricas, mas revelam algo real: as relações sociais invisíveis por trás da troca de mercadorias — especialmente a exploração do trabalho. 

Depois de desdobrar essas categorias, Marx reconstrói a realidade concreta — agora de forma mais rica e crítica.

A mercadoria, antes vista como um simples objeto útil e trocável, é entendida como uma forma social contraditória, típica do capitalismo. Ela expressa uma relação de exploração entre classes sociais, mediada por formas fetichizadas, como o dinheiro.

Segundo David Harvey, esse movimento dialético é essencial para evitar dois erros comuns:

  • A superficialidade do empirismo: que só vê o que aparece na superfície (o preço do pão, por exemplo).

  • O dogmatismo abstrato: que ignora a realidade vivida pelas pessoas.

Marx quer nos ensinar que o capitalismo não é o que parece ser. Ele funciona por meio de formas que escondem sua essência — e a dialética é o caminho para desvendar esse funcionamento.

Contradições como motor da história

Um dos pontos mais revolucionários da dialética é a valorização da contradição. Enquanto o pensamento tradicional tenta eliminar as contradições para chegar a uma resposta “coerente”, Marx entende que as contradições são o que impulsiona as mudanças históricas. Por exemplo, a mercadoria carrega uma tensão entre o valor de uso (satisfação de uma necessidade) e o valor de troca (o que ela vale no mercado). Essa tensão gera conflitos, crises e transformações — é assim que o capitalismo evolui.

Nada é o que parece: essência e aparência

Harvey destaca que a dialética marxista nos convida a desconfiar das aparências. O capitalismo pode parecer um sistema de trocas livres e justas, mas na sua essência ele está baseado na exploração do trabalho. A tarefa da crítica marxista é justamente revelar essas estruturas escondidas sob o que se mostra como “natural” ou “inevitável”.

Um método histórico e totalizante

Por fim, a dialética marxista não trata os fenômenos sociais de forma isolada. Ela busca entender a totalidade das relações sociais e sua evolução histórica. Isso significa que nada pode ser compreendido fora de seu contexto — nem o dinheiro, nem o trabalho, nem a mercadoria.

Por que isso importa hoje?

Entender a dialética marxista é mais do que um exercício acadêmico. É uma ferramenta poderosa para desvendar as engrenagens do capitalismo atual — das crises econômicas à precarização do trabalho, da financeirização à desigualdade social. Como lembra David Harvey, a crítica de Marx continua sendo uma chave essencial para quem quer transformar o mundo, e não apenas interpretá-lo.

Compreender isso é o primeiro passo para uma crítica radical da sociedade atual — e, quem sabe, para transformá-la.


Se você quer se aprofundar nesse método e entender a fundo o funcionamento do capital, Para Entender O Capital é um excelente ponto de partida.