Por trás dos preços, salários, mercadorias e contratos que vemos diariamente — aquilo que chamamos de “vida econômica” — existe uma engrenagem invisível, que comanda, distorce e explora: são as determinações internas do capital. Elas não aparecem diretamente na superfície das relações sociais, mas organizam toda a lógica do capitalismo enquanto sistema de dominação e acumulação. Desvendar esses mecanismos é tarefa urgente para quem busca superar a barbárie do capital.
Inspirando-se em Karl Marx, o geógrafo e intelectual marxista David Harvey nos lembra que o capitalismo não pode ser compreendido por suas aparências imediatas — pelo contrário, é preciso penetrar em suas estruturas ocultas, nas contradições que o movem e o corroem. Marx, em O Capital, desenvolveu uma crítica radical da economia, rompendo com o método linear e descritivo da economia política clássica (como a de Adam Smith ou David Ricardo), que via o mercado como harmonia natural entre indivíduos racionais. Essa ilusão é perigosa, pois oculta as relações de dominação, exploração e conflito estrutural que sustentam a sociedade burguesa.
O Capital como Relação Social Contraditória
Marx mostra que o capital não é uma "coisa", mas uma relação social de exploração entre capitalistas e trabalhadores. E é essa relação, historicamente determinada, que contém leis internas de movimento, ou seja, suas próprias determinações internas:
1. Valor e Mais-valia
O capital só cresce explorando trabalho humano. A diferença entre o valor que o trabalhador produz e o que recebe como salário — a mais-valia — é a fonte de lucro e o motor da acumulação capitalista. O capital não existe para satisfazer necessidades humanas, mas para se valorizar indefinidamente, produzindo mercadorias apenas quando há lucro.
2. Contradição entre Capital e Trabalho
O capital depende do trabalho, mas também o precariza. Submete o trabalhador à lógica da produtividade, substitui pessoas por máquinas, desemprega e rebaixa salários. Sem trabalho, não há capital — mas o capital destrói sua própria base viva.
3. Composição Orgânica do Capital e Crises
À medida que os capitalistas investem mais em tecnologia (capital constante) e menos em força de trabalho (capital variável), a taxa de lucro tende a cair — uma contradição explosiva que leva o sistema a ciclos de crise.
4. Reprodução Ampliada
O capital não pode parar. O ciclo Dinheiro – Mercadoria – Produção – Mais-valia – Dinheiro ampliado (D – M – D′) deve se repetir incessantemente. Estagnação é ruína. Crescimento contínuo é imperativo. Isso gera superprodução, destruição ambiental e colapso social.
5. Fetichismo e Inversão Social
O capitalismo transforma relações entre pessoas em relações entre coisas. No lugar da cooperação e solidariedade, vemos contratos, preços e mercadorias — como se os objetos tivessem vida própria e as pessoas fossem meros apêndices das coisas. Isso é o fetichismo da mercadoria, que naturaliza a exploração e esconde a dominação.
Por que isso importa para a esquerda?
Compreender as determinações internas do capital é romper com a aparência de normalidade da sociedade capitalista. Não se trata de reformar o mercado ou “corrigir” a desigualdade com políticas pontuais. Trata-se de atacar as raízes do sistema, que está fundado sobre a exploração do trabalho e o apagamento das relações sociais.
A análise de Harvey e de Marx nos equipa com ferramentas teóricas para compreender e combater o capital. Sem isso, corremos o risco de lutar contra os sintomas e não contra a doença.
O inimigo não é o “mau empresário” ou a “corrupção estatal”. O inimigo é o próprio capital, em sua forma impessoal, sistêmica e contraditória. E contra ele, só uma crítica radical — e uma ação revolucionária — podem nos libertar.
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