segunda-feira, outubro 27, 2025

A transformação de Dinheiro em Capital e sua Valorização

 Esse texto aborda principalmente o capítulo quatro d’O Capital, que trata sobre a transformação do dinheiro em capital. Trata-se de um importante momento da obra e do pensamento de Marx. É também um momento complexo e há muita confusão, principalmente, entre liberais, sobre a diferenciação do Capital e do Dinheiro, e em tempos de economia capitalista financeira e especulativa, a relação entre Capital e Dinheiro deve ser revisitada. 

Nos capítulos anteriores (1 a 3), ele mostrou como as mercadorias e o dinheiro surgem e circulam; agora, ele pergunta: Como o dinheiro se transforma em capital?

O ponto de partida: o enigma da valorização

Marx parte da observação empírica de que, no capitalismo, o dinheiro não circula apenas para trocar mercadorias. Ele circula para aumentar-se a si mesmo. “O possuidor de dinheiro aparece como comprador de mercadorias com o propósito de, através de sua venda, extrair mais dinheiro. O fim último não é o valor de uso, mas o aumento do valor.” (O Capital, Livro I, cap. 4)

Ou seja, Na circulação simples, o movimento é M – D – M: vende-se uma mercadoria para comprar outra (troca de valores de uso). Na circulação capitalista, o movimento é D – M – D': investe-se dinheiro para recuperar mais dinheiro (valorização). Marx distingue duas formas de circulação de mercadorias e dinheiro, a simples (mercadoria - dinheiro - mercadoria) e a circulação capitalista (dinheiro - mercadoria - dinheiro a mais). Na economia simples de mercadorias (como entre pequenos produtores), a circulação ocorre com o produtor vende sua mercadoria (M) por dinheiro (D). Com esse dinheiro, compra outra mercadoria (M) de que precisa. O objetivo é o valor de uso — trocar o que não serve por algo útil. Quando essa troca termina, o processo se encerra. O dinheiro é apenas um meio de circulação. Na troca simples, a finalidade é o consumo, o valor de uso; o dinheiro é apenas o meio que torna possível a permuta.” (Marx, O Capital, Livro I, cap. 4)

No capitalismo, o processo se inverte o possuidor de dinheiro (D) compra mercadorias (M), para depois vendê-las por mais dinheiro (D’ = D + ΔD). O objetivo aqui não é o uso, mas o aumento do valor — o dinheiro volta para o ponto de partida, acrescido de um excedente (ΔD), chamado mais-valor (ou mais-valia). Como diz Marx: “A circulação D–M–D’ tem por fim o aumento do valor. O movimento do capital é um fim em si mesmo, pois o valor é aqui o sujeito de um processo de valorização.” (Marx, O Capital, Livro I, cap. 4). 

Por que o dinheiro precisa “aumentar-se a si mesmo”? Porque no capitalismo, o dinheiro se converte em capital — e o capital só existe enquanto valor que se valoriza.  O dinheiro deixa de ser meio e se torna fim. No capitalismo, a riqueza aparece na forma de valor monetário. O capitalista não produz para usar nem para trocar valores equivalentes — ele produz para acumular valor. O dinheiro, portanto, se movimenta para retornar ampliado, num ciclo sem fim. Não há finalidade fora do próprio movimento de valorização. Marx afirma que: “O movimento D–M–D’ é infinito. O capital não tem limite; seu único impulso é valorizar-se, e o capitalista é apenas o seu agente.” (O Capital, Livro I, cap. 4). David Harvey explica isso de forma sintética: “O dinheiro, ao se tornar capital, deixa de ser meio de troca e passa a ser meio de valorização. Ele circula não para comprar, mas para tornar-se mais dinheiro. Esse é o motor do capitalismo: o valor em movimento.” (Harvey, Para Entender O Capital)

O enigma é: se toda troca é entre equivalentes, como o dinheiro cresce? De onde vem o excedente ΔD? Marx responde: o dinheiro só pode aumentar comprando uma mercadoria especial, cujo uso cria mais valor — a força de trabalho humana. Ao comprar essa mercadoria e colocá-la para trabalhar mais tempo do que o necessário para reproduzir o próprio salário, o capitalista extrai mais-valor. Assim: O capitalista paga o valor da força de trabalho (salário); Mas se apropria do valor novo criado pelo trabalho além do necessário; É esse excedente que transforma o dinheiro em capital e explica por que ele circula para aumentar a si mesmo. Aponta Marx que O capital é valor que se valoriza. O dinheiro se transforma em capital quando compra a força de trabalho e a faz produzir mais-valor.” (O Capital, Livro I, cap. 4).

Com a fórmula D–M–D’, Marx mostra que o capital não é um objeto, mas um movimento autônomo do valor. O dinheiro parece agir por conta própria, como se tivesse vontade e se multiplicasse “naturalmente”. Por isso Marx fala do capital como sujeito automático (automaton) — o valor se comporta como uma força viva.“O valor se apresenta como sujeito de um processo em que ele se valoriza, engendra mais-valor e conserva-se em seu crescimento. O capital é valor em processo, valor que se valoriza.” (O Capital, Livro I, cap. 4). Harvey comenta: “O capital é um processo social tornado autônomo. O dinheiro parece multiplicar-se sozinho, mas o que realmente se multiplica é a exploração do trabalho vivo.” (Para Entender O Capital).

O dinheiro circula para aumentar a si mesmo porque, no capitalismo, ele deixa de ser apenas meio de troca e se torna capital — uma forma social que existe apenas enquanto valor em movimento.
Esse movimento só é possível porque o capital compra e consome força de trabalho, única mercadoria capaz de gerar valor novo. O capitalista, portanto, não produz coisas, mas valor — e o faz explorando a capacidade criadora do trabalho humano. O dinheiro, nesse processo, parece “multiplicar-se” sozinho, mas na verdade apenas revela o poder social do trabalho apropriado privadamente.

Harvey resume de modo magistral: “O capital é dinheiro em movimento, mas o seu coração é o trabalho vivo. O dinheiro circula para aumentar a si mesmo porque, atrás dele, pulsa a exploração contínua do trabalho humano.” (Para Entender O Capital, p. 77)


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