O paradoxo do progresso capitalista
“O desenvolvimento do capital fixo indica até que ponto o conhecimento social geral, o saber, se tornou força produtiva imediata.” (Grundrisse, Fragmento das Máquinas)
Trabalho vivo e capital fixo: a subordinação do saber ao valor
“No capital fixo está objetivado o saber científico, o trabalho intelectual coletivo da humanidade, transformado em potência do capital sobre o trabalhador.” (Grundrisse)
David Harvey interpreta esse ponto como a internalização do trabalho coletivo no próprio capital:
“O capital converte o conhecimento, a ciência e a cooperação social em componentes de sua própria maquinaria, reduzindo o trabalhador a apêndice de um processo que ele mesmo criou.” (Para Entender O Capital, p. 92)
A crise da lei do valor: produtividade e desvalorização
Marx formula a contradição com precisão dialética:
“Na medida em que o tempo de trabalho — a simples quantidade de trabalho — é posto pelo capital como a única medida da riqueza, o capital contradiz a si mesmo. O trabalho humano deixa de ser a grande fonte da riqueza.” (Grundrisse)
O fetichismo técnico: o trabalho morto como sujeito social
Marx antecipa essa inversão:
“O instrumento de trabalho se ergue diante do trabalhador como capital, como potência autônoma que o domina.” (Grundrisse)
Harvey observa que, na fase contemporânea, essa inversão se radicaliza:
“O capital, na forma de tecnologia e finanças, tornou-se quase inteiramente autônomo. O trabalho vivo é subjugado por fluxos de informação e algoritmos que funcionam como o novo capital fixo.” (Os Limites do Capital, p. 312)
“O capital é trabalho morto que, como um vampiro, vive apenas sugando o trabalho vivo.” (O Capital, Livro I, cap. 10)
O general intellect e a potencial emancipação
“A medida da riqueza deixa de ser o tempo de trabalho e passa a ser o tempo disponível.” (Grundrisse)
Harvey comenta:
“O capital cava sua própria sepultura. Ao socializar o saber e automatizar o trabalho, cria as condições materiais de uma sociedade onde o valor não teria mais função.” (Para Entender O Capital, p. 95)
Moishé Postone, em Time, Labor and Social Domination, interpreta esse movimento como autodestruição temporal do capital: quanto mais o trabalho é reduzido a tempo abstrato, mais o próprio tempo de trabalho se torna obsoleto como fundamento da riqueza.
6. Dinheiro, tempo e abstração: a forma final do trabalho alienado
O dinheiro é a forma acabada da abstração do trabalho. Ele representa o tempo de trabalho humano socialmente validado e funciona como equivalente universal do valor. Na medida em que o capital reduz o trabalho vivo, o dinheiro torna-se cada vez mais desvinculado de sua base material, e a economia se torna financeirizada — o capital fictício. Marx já antecipava essa tendência:
“O capital-dinheiro adquire um modo de existência que parece independente da produção real, como se o valor se valorizasse por si mesmo.” (O Capital, Livro III, cap. 24)
O que se autonomiza não é o dinheiro em si, mas o trabalho morto cristalizado que perdeu referência ao trabalho vivo. A financeirização contemporânea é, portanto, o estágio supremo do fetichismo do valor: o capital em sua forma puramente abstrata. Harvey descreve esse fenômeno como “a autonomização do valor em movimento”:
“O dinheiro se move agora à velocidade da luz, como pura abstração. Mas, em seu âmago, continua dependendo do trabalho humano, que se torna cada vez mais invisível.” (Os Limites do Capital, p. 340)
O limite histórico do capital
Como conclui Marx:
“O capital se torna uma contradição em processo, porque tende a reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto o tempo de trabalho continua sendo a única medida e fonte de riqueza.” (Grundrisse)
E Harvey completa:
“O capitalismo não perecerá por falta de riqueza, mas por excesso dela — porque destrói a substância de seu próprio valor.” (Para Entender O Capital, p. 98)
Nesse ponto, a emancipação deixa de ser utopia moral e se torna necessidade histórica: a transição de uma sociedade baseada na exploração do tempo de trabalho para uma sociedade fundada no tempo livre e na cooperação consciente — o comunismo como superação da forma-valor.