segunda-feira, novembro 03, 2025

O Processo de Trabalho: a Produção de Valores de Karl Marx

No início do Capítulo 5 de O Capital, Karl Marx analisa o que chama de “o processo de trabalho” — isto é, a atividade humana concreta que transforma a natureza para produzir valores de uso. Antes de ser um conceito econômico, o processo de trabalho é uma categoria antropológica e histórica: ele expressa o modo pelo qual o ser humano se relaciona com o mundo material.

A explicação marxiana mostra que o trabalho é o ponto de partida da riqueza material, mas que, sob o capitalismo, essa atividade assume uma forma social particular: ela se torna meio de valorização do capital. Portanto, compreender o processo de trabalho é compreender como o capital apropria-se da capacidade criadora humana para produzir mercadorias.

2. O que é o processo de trabalho

Marx define o processo de trabalho como:

“O processo de trabalho, considerado independentemente de qualquer forma social, é um processo entre o homem e a natureza, no qual o homem medeia, regula e controla, mediante sua própria ação, o metabolismo entre si e a natureza.” (O Capital, Livro I, cap. 5)

Todo processo de trabalho, em qualquer sociedade, envolve três elementos essenciais:

  1. A atividade humana – o próprio trabalho, isto é, o esforço físico e intelectual do homem para produzir.

  2. O objeto de trabalho – a matéria sobre a qual o trabalho atua (pode ser a natureza ou algo já transformado).

  3. Os meios de trabalho – instrumentos, ferramentas e máquinas que permitem transformar o objeto em produto.

Esses três elementos constituem a base da produção de valores de uso, ou seja, coisas úteis que satisfazem necessidades humanas. O valor de uso é, portanto, a dimensão material e concreta do produto do trabalho.

3. O caráter universal e histórico do processo de trabalho

O processo de trabalho, enquanto mediação entre o homem e a natureza, existe em todas as sociedades.
Trabalhar é transformar o mundo exterior para satisfazer necessidades vitais; nesse sentido, é uma condição eterna da vida humana.

Porém, a forma social sob a qual o trabalho se realiza muda historicamente.
Nas sociedades pré-capitalistas (comunidades primitivas, escravismo, feudalismo), o produto do trabalho pertence a outros ou à coletividade. No capitalismo, o produto do trabalho pertence ao capitalista, porque o trabalhador não possui os meios de produção e é obrigado a vender sua força de trabalho.

Assim, o mesmo processo de trabalho natural torna-se, sob o capitalismo, um processo social de exploração.

4. O trabalho como criador de valor

No plano técnico, o trabalho cria valores de uso.
Mas, no plano social capitalista, ele cria também valor — isto é, tempo de trabalho humano socialmente necessário cristalizado na mercadoria.

A diferença fundamental é que:

  • O valor de uso depende da utilidade do objeto;

  • O valor depende da quantidade de trabalho abstrato que o objeto contém.

A atividade concreta do trabalhador (trabalho útil) transforma matérias e cria utilidades; ao mesmo tempo, o gasto de energia humana (trabalho abstrato) cria valor.
O processo de trabalho, portanto, é também um processo de valorização, quando inserido nas relações capitalistas de produção.

5. O capital e a apropriação do processo de trabalho

No capitalismo, o processo de trabalho é subsumido ao capital, ou seja, transformado em instrumento de valorização.
O capitalista compra duas mercadorias:

  • Meios de produção (máquinas, matérias-primas) → que apenas transferem valor;

  • Força de trabalho → que cria valor novo.

Ao usar a força de trabalho, o capitalista não apenas repõe o valor adiantado em salário, mas obtém mais valor do que investiu — o mais-valor (ou mais-valia).
Assim, o processo de trabalho, que em si é criador de valores de uso, torna-se meio de produção de mais-valor.

Nos termos didáticos de Para Entender O Capital, o processo é explicado como um “duplo movimento”:

“O processo de trabalho é o ponto de partida da produção de valores de uso. Mas, sob o capital, esse mesmo processo converte-se em processo de valorização: o trabalhador cria mais valor do que o necessário para sua própria reprodução.”

6. A diferença entre processo de trabalho e processo de valorização

Marx distingue claramente as duas dimensões:

  • Processo de trabalho → cria valores de uso (aspecto material da produção).

  • Processo de valorização → cria valor e mais-valor (aspecto social da produção capitalista).

A confusão entre esses dois planos é a base da ideologia burguesa:
os economistas clássicos atribuíam à “produtividade” das máquinas ou do capital o poder de criar valor, quando, na verdade, apenas o trabalho vivo o faz.

Como resume Para Entender O Capital:

“O capitalista parece produzir coisas úteis, mas o que realmente produz é valor. O objetivo do capital não é a utilidade das mercadorias, mas a valorização do valor.”


8. Conclusão

O processo de trabalho é, para Marx, a base sobre a qual se edifica toda a economia capitalista.
Ele é o momento em que a capacidade humana de transformar o mundo é posta a serviço da acumulação de capital.
Produzir valores de uso é o conteúdo material do trabalho; produzir valor e mais-valor é o seu conteúdo social no capitalismo.

A genialidade de Marx está em mostrar que o trabalho humano, que é a fonte da riqueza social, torna-se, no capitalismo, o meio de sua própria alienação:
quanto mais o trabalhador produz, mais valor ele gera — e mais distante fica do produto do seu trabalho.

Assim, compreender o processo de trabalho é compreender o próprio núcleo da contradição capitalista: a vida criadora transformada em meio de valorização do valor.


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